terça-feira, 12 de março de 2013

O último pingo d’água que faltava.

Tiago Viana 
 Desmatamento aéreo do Shopping do Iguatemi no Parque Ecológico do Cocó

O Estuário do Rio Cocó é um complexo vivo pertencente ao estado do Ceará. O rio nasce na vertente oriental da Serra da Aratanha no município de Pacatuba, recebendo várias denominações até chegar próximo e entrar na cidade de Fortaleza, sendo conhecido como Rio Cocó, e segue a desaguar nos limites das praias do Futuro e de Sabiaguaba no litoral da capital cearense, sendo o maior rio da cidade com 45km de extensão. Na sua totalidade forma uma bacia fluvial de cerca de 53km. No entanto, a maior preciosidade do ecossistema do Cocó esta inserida no seu rico mangue que ainda abrange uma área de aproximadamente 379 hectares, a mais extensa área verde da cidade e uma das maiores em regiões metropolitanas do Brasil. O mangue possui importantes e imprescritíveis funções ecológicas para a região costeira de Fortaleza. É um infinito berçários para múltiplas espécies. Um filtro biológico que se for medir em valores de moedas da economia mundial, na comparação de valores materiais é de uma importância incontável, interminável tanto para os humanos como para todo o ecossistema que sofre influência de alguma forma do mangue do Cocó.

Sua exorbitante fauna e flora é um espetáculo esplêndido em meio o caos urbano que a cerca, aprisionando todo o parque. Basta adentrar ao mangue do Cocó e saber o porquê de sua estima para a cidade e para as gerações futuras. A sua fauna é composta por mais de 100 espécies características incluindo aves, crustáceos, moluscos, peixes. Algumas espécies são exclusivas do manguezal do Cocó. A fauna é formada por uma vegetação arbórea com uma composição faunística aquática (vegetação que necessita de muita água). As aves aproveitando da densa mata constituem um elemento muito importante no ecossistema, chegando a formar bandos, como os conhecidos “maçaricos”. A flora é representada por quatro famílias botânicas principais e cinco gêneros, são elas: Rizoforáceas, Verbenáceas, Combretáceas, Conocarpus Eretus, Fabáceas.

Como todo sistema de rios de uma grande cidade brasileira o Rio Cocó também sofre com as conseqüências das ações irracionais dos homens inescrupulosos que transformam o ambiente a qualquer custo. Para grande parte da população de Fortaleza o Parque do Cocó (como é carinhosamente conhecido) é apenas um matagal em meio à cidade a esconder delinqüentes que logo após assaltar em semáforos nas proximidades fogem e se escondem nos esconderijos do mangue. Um corredor do esgoto a desaguar no oceano. No entanto, construções particulares ausente do benefício coletivo a cada dia tomam conta do espaço que em tempos anteriores faziam parte do ecossistema do Cocó. Construções sem muitas contestações devido ao progresso desordenado de Fortaleza onde toda cidade grande deve obrigatoriamente ter, justificativa esta usada com freqüência para degradação consciente e de forma natural das áreas de preservação da cidade em mensagens sublineares do progresso evasivo. Impactos ambientais que prejudicam até mesmo o ar da cidade, a temperatura das ruas da capital. Os mangues são área de preservação permanente por Lei. A caça e pesca, a poluição do rio e a ocupação do solo são os motivos centrais de deterioração gradativa da sua fauna e flora.

O desmatamento, o aterramento, a poluição e as construções em áreas irregulares estão cada vez mais reduzindo o ecossistema do Cocó. Em outras capitais brasileiras há um respeito maior a vida. Cidades como João Pessoa na Paraíba e Natal no Rio Grande do Norte conservam suas matas e seus mangues com um senso maior de responsabilidade, os seus governos são mais atuantes, a população mais consciente e as Leis dificultam o processo de degradação da área em preservação. Um pacto entre a ambição dos empresários, da população local e dos setores públicos, unidos pela causa maior que um simples empreendimento a dar lucro para apenas um grupo. É a coletividade a vencer os dotes individuais. Afinal, os mangues são os grandes responsáveis pela fertilização das costas.

A história da luta contra os enfermos irredutíveis do Parque do Cocó deu seu início no ano de 1977. Passou-se dez anos até a sociedade ativa de Fortaleza conseguir reivindicar junto aos setores públicos a preservação do estuário do Cocó. Tendo em base na Lei Federal N° 6.902, de 27/04/1981, que dispõe sobre a criação de estações ecológicas e áreas de proteção ambiental, foi criada em 1986 através do Decreto Municipal N° 7.302 da Câmara de Vereadores de Fortaleza, a Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Cocó. Área que prioriza toda a bacia hidrográfica do rio da capital cearense. Para implantação do Parque Ecológico do Cocó o governo do estado demarcou uma área de 1.155,2 hectares, que foi declarada para fins de desapropriação. E com o decreto N° 20.552, de 05 de setembro de 1989, delimitou a primeira etapa do projeto.

A área mais afetada do curso do Cocó pela degradação de construções de empreendimentos imobiliários se dá nas proximidades dos bairros nobres e de agressivo impacto na especulação imobiliária da cidade. Uma construção em especial chama a atenção pelo grau de ousadia em sua plenitude da concepção e de alto índice de desmatamento e aterramento. O Shopping Center Iguatemi Fortaleza e suas vias de acesso ao estacionamento foram erguidos em meio a aterramentos de lagoas de salinas e do mangue, ocasionando choques de um valor precioso para o equilíbrio do estuário. O empreendimento citado é o maior símbolo do desrespeito da força do poder econômico individual perante a grandiosidade da coletividade da vida na natureza da capital do Ceará. O valor ecológico para o complexo do Cocó para a cidade de Fortaleza vai muito além os dos serviços prestados no shopping (que por sinal têm os preços mais caros da cidade), sei que não há como comparar, mas o ecossistema do Cocó atua no controle de enchentes nos meses de chuvas, na preservação da biodiversidade, no desenvolvimento da pesca no estuário e no mar, na importância paisagística e turística, no controle do clima, no espaço de lazer, bem-estar e educação ambiental, além de ser um dos principais recursos hídricos da cidade com o manguezal e sua planície de inundação ao qual fazia parte a área construída do Iguatemi. Qual a importância de empreendimentos a devastar o Cocó se for visto o beneficio maior da população fortalezense aos nefários benefícios individuais dos donos de empreendimentos como este shopping?

Neste ano chega à notícia aos meios de comunicação da mais nova aventura “Iguatemiana”. A construção a apenas 50 metros (se não menos) do Rio Cocó da nova extensão do Iguatemi. Denominado de Iguatemi Empresarial, um prédio sofisticado de 15 andares, para atender as necessidades das empresas que por ventura irão ocupar suas salas. Se já não bastasse o passado comprometedor de construção irregular do Shopping Iguatemi agora querem diminuir ainda mais a já reduzida área do Parque do Cocó, permanecer e insistir no erro decorrido. Era a última gota de poluentes que faltava para despertar na sociedade fortalezense um questionamento maior do fato. A Prefeita Luizianne Lins em ofício sugeriu a Câmara o questionamento da realização inédita de um referendo para debater o tema da construção do Iguatemi Empresarial e só assim viabilizar a obra ou não, dependendo do resultado popular do pleito. Como na problemática está inserido um dos maiores grupos empresarial do Brasil as Leis parecem funcionar na proporção da força bruta do dinheiro. Procurador da “Justiça” entra com toda sua seiva a favor da edificação bizarra e barra na justiça o questionamento democrático levantado pela prefeitura. Banalização do poder contra a consulta popular, banalização contra o posicionamento do povo em saber que projetos como este consolidado podem no futuro prejudicar toda a cidade, inclusive aqueles que compraram alguma sala luxuosa e caríssima na extensão futurística do shopping. O referendo é a única saída legal. Interesse individual jamais poderá ficar a frente dos interesses coletivos. Questionar míseros gastos contra o referendo é a mesma coisa de mendigar centavos em ver benefícios inestimáveis e infinitos a toda uma população. Economia agora para suplantar a democracia? Não vulgarizar o referendo se faz a justiça porque o que está em jogo é o exemplo que isso tudo pode dar em reflexos para qualquer posterior ação a degradação do Parque do Cocó, evitando um mal a todo ecossistema de Fortaleza. O Shopping Iguatemi, como símbolo maior da devastação do estuário do Cocó, pode ter um momento histórico com a implantação de fato deste democrático referendo. Uma saudosa dívida do empreendimento, e seus assassinos aterramentos ao mangue, perante a cidade, que poderá ter a oportunidade de pagar a primeira das muitas prestações a amortizar o débito caso não se consuma a conclusão da torre a locar empresas. Enquanto os questionamentos ganham clamor popular à área que poderá erguer o tal empreendimento imobiliário empresarial esta todo cercado com paredes improvisadas de chapas de aço a prender as ferramentas do crime, lavrar dos olhos o sangue escorrido do ecossistema e esconder as primeiras profundas escavações dos primeiros rígidos pilares dos alicerces a fixar na lama subterrânea do mangue a encontrar as profundas e eternas raízes. Arrogância e muita estupidez demonstrada pelos donos do projeto. O exemplo é triste e caótico.

O pouco que ainda resta do ecossistema do Cocó, que ainda falta para o processo de urbanização destruir. O pouco que luta desesperadamente a cada invasão de dejetos a adentrar ao mangue, a cada aterramento a encobrir a crista das árvores, a cada alicerce a desenvolver pilares de sustentação de prédios a estagnar o espaço, o pouco que ainda reluz o verde das folhas está em alto risco de um dia futuro desaparecer totalmente da cidade. Reduzir a uma única praça de nome Cocó. Lembranças apenas em fotos e filmes na Internet. Educação ambiental nas escolas que atendem todas as comunidades próximas ao Parque do Cocó, educação para classe economicamente dominante deste pobre estado. Educação, apenas educação.

Por Tiago Viana. 

Fonte: http://www.overmundo.com.br/overblog/o-ultimo-pingo-dagua-que-faltava

Mais informações:
http://sispub.oktiva.com.br/oktiva.net/1320/nota/25791
http://www.opovo.com.br/app/fortaleza/2013/02/16/noticiafortaleza,3007333/ato-publico-em-defesa-do-parque-do-coco-ocorre-neste-domingo.shtml

OBS: Este é um artigo de opinião e não reflete necessariamente o opinião dos produtores do blog.

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